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Liberdade de Movimento

A Cultura do Movimento tem alguns pressupostos filosóficos. Um deles, defendido

pelo Ido Portal, é a ideia de que a liberdade é algo que deve ser construído, e não uma qualidade inata. É dessa ideia que pretendo tratar aqui, deixando claro que o que segue é a minha forma particular de interpretar reflexivamente esse conceito.


Para evitar confusões desnecessárias, começo com um aviso para os que se fixam demais

na árvore a ponto de perder de vista a floresta. No limite teórico, a liberdade (assim como

qualquer conceito abstrato) não existe. Mas na prática, na minha opinião, há formas de definir maiores e menores graus de liberdade. Como diria Taleb: na teoria, teoria e prática se confundem. Na prática não.


Voltemos ao pressuposto. Liberdade sem nenhum tipo de construção não é liberdade. É

prisão. É conforto. É reprodução de padrões antigos e alheios. Vamos lá: Espinoza, há quase 400 anos, afirmou que somos a soma dos nossos encontros com o mundo. Eles nos conformam e nos fazem ser quem somos. É desolador pensar que somos apenas reflexo. E talvez Espinoza esteja certo. Mas se cairmos nesse cinismo radical não há nada mais o que fazer. O fato é que, mesmo que tudo seja uma ilusão, o que nos faz seguir motivados a agir na vida é a ideia de que podemos fazer escolhas. Deliberar. É pouco, mas é o que temos.

Então, se hoje, sem nenhum tipo de trabalho deliberativo, reflexivo, da sua parte, você

decide “se mover (ou fazer qualquer outra coisa) livremente”, e resolve chamar isso de “seu

estilo", você estará mentindo pra si mesmo. Porque o resultado dessa liberdade sem construção será apenas a resultante do que te conformou sem que você se desse conta ou tivesse o mínimo de trabalho deliberativo para transformar, lapidar e, eventualmente chamar de seu.


Essa liberdade, que pouco mais é do que a expressão da sua zona de conforto, é bem diferente de uma liberdade construída a partir de uma escolha deliberada por aprender. Uma liberdade que também, depois de muito trabalho duro, você pode chamar de sua. Um vislumbre de liberdade menos falsa. Poder, finalmente manipular e interpretar o trabalho e o

aprendizado à sua própria maneira. Criar seu estilo, em vez de chamar suas limitações de

estilo. Capacidade deliberativa. Essa ínfima e dúbia capacidade que supostamente nós,

humanos, temos um pouco mais do que todos os outros organismos vivos nesse planeta.

Liberdade sem construção é, portanto, como opinião sem reflexão. Não pode ser levada

muito a sério na medida em que é apenas a expressão do que o mundo fez com você. É

puro reflexo. Garrafa vazia em oceano turbulento. Não há, de fato, uma escolha por

querer saber, uma curiosidade por aprender para produzir algo que possa contribuir

para o todo. Há apenas reflexo do que já existe. Um reflexo sem clareza do que foi

depositado na sua existência pelo mundo sem que você tomasse consciência.

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